quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Memória Histórica, Amor e Justiça (GIBEONITAS)

O que podemos aprender com a história de 2 Samuel 21? Que lições podemos extrair desta história chocante? Que Deus zela pelo cumprimento dos pactos nacionais; Haverá conseqüências na História (as quais poderão se dar tanto no presente, como no futuro), pelos crimes praticados pelos governantes contra minorias étnicas; Uma nação é responsável perante Deus pelos atos praticados pelos seus governantes, nesta qualidade; Devemos solucionar os erros nacionais (e por que não falar também dos pessoais?) do passado. Precisamos solucioná-los urgentemente, antes que Deus venha a requerer contas! Podemos extrair estas e, certamente, muitas outras lições desta passagem da Palavra de Deus.


Neste texto veremos a importância imprescindível da justiça e do perdão, sejam individuais, sejam nacionais, e também que Deus não esquece as injustiças praticadas e sofridas no passado. Meditemos um pouco neste texto bíblico:
Começamos com alguns princípios de direito público internacional, que subjazem ao texto de 2 Samuel, e que ainda são regras válidas para as nações, atualmente: a) se um presidente de um país fez um pacto, ou assinou um tratado, representando o seu país, com outra nação e, depois, quebra tal compromisso, é justo que (mesmo depois de sua saída do poder) o país venha a indenizar a outra nação pelo descumprimento do pacto; b) tal ressarcimento deve colocar ambos os países numa condição de igualdade (deve haver uma compensação do país descumpridor ao país lesado, restaurando o ‘estatus quo ante’; c) no caso de haver vítimas humanas feitas pelo governante de uma nação aos membros de outra, nenhuma compensação material poderá compensar a perda.
Analisando esta história bíblica de 2 Samuel 21, conjuntamente com outros textos bíblicos, vemos dois modos de solucionar o crime (ou injustiça) histórico:
1) Há um perdão, e o país que teve seus membros mortos injustamente sofre o dano (absorve ou suporta as perdas humanas generosamente, com uma espécie de auto-sacrifício nacional, em prol da manutenção de uma relação com o outro país). Neste caso, o país perdoa, aceitando uma compensação simbólica (é uma solução que envolve vontade política - diplomacia, amor, sacrifício voluntário nacional e perdão). Ponto forte: pode dar um exemplo pacífico propício a restaurar relacionamentos com a outra nação, dando exemplo, em âmbito interno, para o perdão e restauração de relações. Ponto fraco: pode dar um mau-exemplo de impunidade, onde a vida dos seus cidadãos não é considerada como um valor absoluto;
2) Ou, não perdoando, pede uma compensação à altura do valor da vida dos seus cidadãos trucidados – “vida por vida, olho por olho, dente por dente”. Nesta “solução”, o país que teve o seu direito violado provavelmente terá que entrar em guerra com o país violador (e com uma justificativa fundada no ultraje da sua justiça), para vindicar as vidas dos seus cidadãos exterminados (saída – jurídica – que envolve justiça, castigo, vingança). Ponto forte: se o país, em âmbito externo, tolera injustiças, se conformando com a morte de cidadãos de forma injusta, criaria um clima interno de impunidade e desrespeito com as vidas humanas. Ponto fraco: sacrificaria pessoas inocentes do outro país e fomentaria um clima de violência, truculência e contenciosidade entre os seus próprios cidadãos.
Primeiramente, gostaríamos de fazer uma observação: muitos poderiam rejeitar, sem mais, de modo apressado, a segunda alternativa, mas é interessante lembrar que a única hipótese de pena de morte ainda aceita atualmente pelo direito brasileiro é aquela executada em tempo de guerra (CRFB, art. 5, XLVII, "a"). A nossa nação ainda se reserva, em última instância, o direito de eliminar vidas humanas de outro país, caso se sinta ultrajada em sua dignidade nacional, ou caso nos vejamos ameaçados por potência estrangeira. Para defender a vida dos cidadãos brasileiros, temos por justa a morte de cidadãos de outra nação. Além disso, também aceitamos, no nosso direito, que alguém venha a tirar a vida de um agressor, quando em legítima defesa.
Entretanto, voltando a nossa história da Sagrada Escritura dos gibeonitas, Deus havia procurado incutir em Israel o primeiro tipo de mentalidade (1), no tocante às suas relações intersubjetivas (de uns para com os outros) e para com Deus. Isto Deus fez instituindo o sistema de sacrifícios expiatórios, possibilitando o perdão e a reconciliação com o próximo e com Deus.
Os gibeonitas, pagãos em meio ao país de Israel, alimentavam uma justiça implacável, sanguinária e vingativa, sem a expiação - o sacrifício substitutivo - e o perdão e, pelo contrário, exigiam “vida por vida”. Neste sentido o texto bíblico faz um comentário oportuno, antes de registrar o pedido de satisfação de justiça por parte dos gibeonitas (“ora os gibeonitas não eram dos filhos de Israel, mas do restante dos amorreus”, 2 Sm 21.2). É como que uma explicação do impiedoso pedido: “Quem pede a morte dos descendentes de Saul por este ter matado os gibeonitas (os ascendentes dos vingativos gibeonitas) são pessoas não pertencentes ao povo da Aliança”.
Ao seu povo, Deus não só proibiu o holocausto de sacrifícios humanos, mas – muito pelo contrário – providenciou um meio de expiação, onde um cordeiro, ou outro animal, morria no lugar do culpado digno de morte. Somente deveriam morrer por seus pecados aqueles que rejeitavam reiterada e constantemente o perdão e a reconciliação (provisão amorosa da aliança divina), representado no sacrifício. A pena de morte era destinada a pessoas contumazes, irreconciliáveis com Deus e com a comunidade do Pacto. Este era o propósito divino, ao instituir o sistema de sacrifícios – exemplificado no yon kipur, ou “dia nacional do perdão”: dar nova chance aos errantes arrependidos.
Embora Deus tenha indicado o caminho número 1 (perdão, expiação da culpa, arrependimento, reconciliação), representado no sistema expiatório ou de sacrifícios, nos pecados cometidos contra o próprio Deus, dependia do ofensor e também da comunidade ofendida seguirem a diretiva divina. Se o pecador desprezasse o sacrifício substitutivo ou a comunidade recusasse o perdão (simbolizado em uma compensação simbólica), restaria tão-só o transgressor sofrer a pena.
O que não poderia de forma alguma – Deus não tolerava – era haver impunidade ou ausência de justiça na comunidade. Se não houver um acerto voluntário (pessoal ou nacional) com o passado (desfazendo com as injustiças, restaurando o direito violado), o próprio Deus é vindicador dos crimes contra a humanidade. Isto fica evidenciado no texto bíblico sob meditação, com a tragédia da seca e fome no país de Israel.
Em 2 Samuel 21.1, as Escrituras deixam registrado o fato de que Deus considera a nação, como um todo, responsável por reparar os crimes cometidos por seus representantes. Mais cedo ou mais tarde, o país que consente – se cala, não exige justiça, enquanto se cometem injustiças contra minorias, sejam elas quais forem – será penalizado. A lição é que há uma memória histórica em Deus, a respeito das injustiças cometidas, que exige justiça.
No entanto, quando um país acerta as contas com seu passado, paga as suas dívidas, pune os culpados (o texto dá a entender que não foi só Saul que cometeu os crimes: Deus disse que o motivo da seca e da fome era: “por causa de Saul e da sua casa sanguinária – nosso grifo -, porque matou os gibeonitas”, v.1), o Estado indeniza as vítimas (satisfaz o ideal de justiça ou executa uma política compensativa das injustiças históricas), Deus se torna propício (v. 14).
Numa reflexão jurídica atual, a respeito dos princípios do nosso texto bíblico em tela, podemos relacioná-los com um caso contemporâneo, as ações afirmativas parecem terem alguma razão de ser. Se reconhecida a violação, por parte da nação, dos direitos de uma parcela étnica da população brasileira (em relação ao fato histórico da escravidão, não tendo sido lhes dado uma justa compensação pelo seu trabalho e contribuição para a construção do Brasil), devemos a eles uma compensação, pois isto é justo. Poderia se chamar esta de uma justiça compensativa histórica. A controvérsia, no entanto, reside em se esta compensação poderia ser por intermédio das cotas nas universidades.
Isto porque esta compensação não pode ser análoga à vingança dos gibeonitas (não se considerando que os filhos de Saul sacrificados fossem realmente culpados pelos crimes cometidos). No caso das cotas, os descendentes dos brancos escravocratas, ou mesmo não o sendo, é que estão sofrendo as conseqüências das injustiças históricas cometidas por seus pais ou antepassados. Estes jovens, pelo simples fatos de serem brancos, descendentes de brancos, mesmo tendo demonstrado ter mais conhecimento nas provas de vestibular, são prejudicados, pois são preteridos nas tão concorridas vagas para a Universidade.
Voltando outra vez à nossa história, é contrastante a atitude dos pagãos gibeonitas com a de Davi, “homem segundo o coração de Deus” – expressão bíblica –, que mesmo tendo sido perseguido por Saul, não perseguiu os seus descendentes (pelo contrário, acolheu Mefibosete, neto coxo de Saul para morar no seu palácio e comer em sua mesa); mesmo tendo sido quase morto várias vezes por Saul (o rei Saul tentou encravá-lo com uma lança várias vezes, enquanto Davi o servia humildemente), Davi – depois de se tornar rei – nem por isto tentou matar os descendentes de Saul. Já os gibeonitas, em contraste, rancorosos, não aceitaram outro resgate, senão a morte de sete pessoas (os quais, talvez, não tivessem nada a ver com a morte de seus antepassados), por serem filhos de Saul.
O que podemos assimilar em nós e ao nosso proceder, diante de Deus, de tudo isto que já falamos? A Bíblia nos adverte: “com o juízo com que julgares, sereis julgados” (ao julgarmos com rigor implacável, nós mesmos estamos escolhendo o tipo de julgamento ao qual seremos submetidos). Em outra parte diz: “Quem não perdoa não será perdoado” (nós mesmos trancamos, ou não, a porta do perdão, conforme perdoamos ou deixamos de perdoar).
Em nossos dias, também há no meio da Igreja do Senhor Jesus muitos “gibeonitas”, isto porque cultivam o mesmo espírito vingativo e impiedoso, pois se recusam a perdoar, desprezando o Sacrifício da Aliança (o sangue de Jesus) em relação aos outros. Fazendo assim, eles desprezam também para si o próprio perdão, demonstrando que não fazem parte da Comunidade redimida, da comunhão dos santos, são “dos amorreus”, ou seja, não assimilaram o amor perdoador de Deus, em Cristo, não fazem parte da Nova Aliança feita entre a Igreja do Senhor Jesus e o nosso Deus. Quando rejeitamos a graça de Deus para o próximo, rejeitamos a mesma graça para nós mesmos.
Outra lição para nós: devemos ter cuidado com as nossas atitudes, para que não soframos no futuro o juízo divino, conforme nos adverte o apóstolo Paulo, em passagem que trata da Ceia do Senhor (instrução para a comemoração da Nova Aliança no sangue de Cristo): “se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados”, 1 Coríntios 11.31. Deus não suporta a injustiça, mesmo sendo em relação aos de fora, tais como eram os gibeonitas. Duas das características da geração perdida nos dias que antecede a volta de Cristo são as de ser “infiel nos contratos” e “sem misericórdia”: “Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia” (Romanos 1. 31).
Portanto, devemos procurar de Deus cultivar em nós um coração perdoador, mesmo quando somos injustamente lesados (Isaías 55.7). Precisamos sofrer o dano, absorvendo ou suportando as perdas generosamente, com um espírito de auto-sacrifício, em prol da manutenção da comunhão com nossos irmãos e, se possível, também do relacionamento com os de fora. Deste modo, perdoando, aceitamos o resgate por intermédio do sangue de Jesus, o qual, conforme cremos, é válido e suficiente não somente para nós, mas para perdão de todos (1 João 2.2).
Isto envolve, de nossa parte, boa vontade, tentativas de reconciliação, amor sacrificial e perdão. Assim, demonstramos a paz de Deus que há em nós e que somos inclinados a restaurar relacionamentos quebrados, dando exemplo para o mundo. Isto não é uma demonstração de fraqueza: Sabemos que Deus é justo e, embora deseje que todos se arrependam, se emendem e sejam salvos, retribuirá aos que são irreconciliáveis e que desprezam o nosso perdão, e também o perdão de Deus, recompensará conforme as obras e pensamentos de cada um (Apocalipse 22.12), pois o Senhor tem cada um de nós como um valor absoluto e eterno e ama a justiça.

Um comentário:

  1. bom texto, só uma sugestão: essa fonte brilhosa com o fundo escuro atrapalha um pouco a leitura.

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